domingo, 23 de janeiro de 2011

Sobre a "Mística de olhos abertos"

A espiritualidade jesuíta distingue-se de outras espiritualidades por dar atenção pessoal aos sentimentos, desejos, sonhos, esperanças e pensamentos. E foi Inácio de Loyola que trouxe  essa novidade espiritual quando, ainda peregrino, "descobriu Deus ao prestar atenção no que ocorria em sua mente e em seu coração como resultado da leitura e dos devaneios" (William A. Barry, sj). Posteriormente, o fundador da Companhia de Jesus desenvolveu uma prática de examinar-se com frequência no decorrer do dia, para encontrar a mão de Deus na experiência comum.

Neste sentindo, trouxe um texto do padre jesuíta Benjamin González Buelta, superior regional da América central e Caribe.

O texto está publicado na íntegra no Blog da Província SJ do Nordeste http://jesuitasbrasil.blogspot.com/
Espero que gostem!

MÍSTICA DE OLHOS ABERTOS

"Em momentos privilegiados experimentamos a presença de Deus dentro de nós. Nos sentimos unificados por dentro, plenos de sentido, de paz e alegria. Qualquer desafio nos parece fácil. A esta experiência de Deus no centro do próprio coração chamamos mística dos olhos fechados. Sempre é possível adentrar mais nesse encontro sem ouvidos com Deus.


Em algumas ocasiões nos encontramos com Deus fora de nós, na honradez, na beleza ou na justiça de uma pessoa, numa paisagem, numa celebração da comunidade. Nesses momentos abrimos os olhos para não perdermos nenhum detalhe. Deus está presente em tudo o que existe e, às vezes, Ele se faz transparente e o descobrimos na profundidade de situações e pessoas. Esta é a mística dos olhos abertos. Não existe nada de profano para aquele que sabe ver.


Todos os dias chegam aos nossos sentidos imagens e outras sensações sedutoras, elaboradas pelos artistas e técnicos e comunicação, para que estas imagens e sensações entrem em nós, se instalem em nossas necessidades e tomem conta de nossas decisões e de nossa vida, criando em nós dependências e compulsões. Mas quando descobrimos Deus presente em toda a realidade, nos libertamos das sensações sedutoras e toda a nossa vida é mais nossa, original e evangélica. Então nos deixamos levar pelo espírito que cria vida verdadeira para todos!"

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Sobre ser um "Habitante de Fronteiras..."


Tenho certeza que 2011 me reserva grandes descobertas e experiências. Toda essa expectativa se deve as escolhas que fiz, após um tempo de discernimento, crises e reflexões. Não que tudo esteja resolvido, mas, mais um passo está sendo dado. Aos que não entendem, minha decisão é vista com certa desconfiança, acham-na um absurdo. Porém, mesmo os que apóiam ou acreditam, esta decisão ainda é vista como um grande mistério. E isto realmente nunca deixará de ser, independente de opiniões alheias.

"Sou um mistério para mim mesmo”. Comungo dessa identidade de Clarice Lispector. Cada um de nós é um mistério singular, irresistivelmente irrepetível. Contudo, alguns se fazem mais singulares que outros, não por vaidade ou autopromoção, mas, por livre escolha a um jeito de ser. No exercício da liberdade algumas pessoas, que ouviram o chamado, respondem generosamente a uma possibilidade de realização. Escolhem – esquivando-se de reações imaturas ou motivações mesquinhas – aquilo que tem um significado de realização autêntica na vida e que deriva dos valores transcendentes e imanentes no seguimento de Jesus Cristo.

Aqui o importante é ter presente o que mais nos conduz ao fim para o qual fomos criados, o que mais nos deixa feliz, o que mais nos realiza interiormente, não momentaneamente, ou seja, que nos confere sentido pleno de viver.

Acho que ser “Contemplativo na Ação” é também ser um “Habitante de Fronteiras”. Para tanto, quero compartilhar com vocês um texto do padre jesuíta J. Ramón F. de la Cigonã, texto este que muito me ajudou a clarear horizontes. Padre Ramón foi formador da Comunidade Vocacional dos Jesuítas por muitos anos, quando a mesma localizava-se em Juiz de Fora, MG. Hoje ele mora em Santa Rita do Sapucaí, MG e a Comunidade Vocacional transferiu-se para Campinas, SP.
O texto não poderia ter outro nome que “Habitante de fronteiras...”

<<O Espírito de Jesus, agente do misterioso processo vocacional, dessa sedução evangélica capaz de tirar alguém do próprio ambiente, da família e dos próprios projetos, é quem nos leva a essa zona fronteiriça, existencialmente nova, religiosamente densa e sociologicamente periférica. O limite é a fronteira do nosso existir, próprio da vida religiosa.

Todo vocacionado é testemunha desse umbral (entrada para o novo), desse espaço fronteiriço, onde se travam encontros e desencontros. Para além do limite está o diferente, o novo, o desconhecido; aquém do limite, está o mundo próprio, a segurança e o status... Daí, o espanto que produz quando alguém se coloca no limite.

Mas, é próprio da juventude atravessar fronteiras, e passar para a outra margem. Nem todos são capazes de fazê-los; alguns até fogem disso. A maioria é habitante do “mundo”, não dos seus limites. Quem é capaz de suportar e sustentar a abertura do novo e entrar nele, esse é um “habitante da fronteira”, um vocacionado; seu caminho é original, alternativo, diferente e contrasta com a da maioria, com o modo de viver “de todo o mundo”.

O verdadeiro “hábito” (= habitat) do jesuíta é o de viver na fronteira e encontrar-se com os habitantes dela, com os excluídos, com aqueles que vivem no limite do humano; estar onde o homem parece irreconhecível e perdeu as suas feições. Precisamos de mais jovens entrando nessas fronteiras, vivendo no mistério de Deus e trabalhando por maior fraternidade.>>

Eis-me aqui Senhor, um habitante de fronteiras, passageiro de um sonho maior que eu!